Um devir que ignora a permanência, espraia-se pelas imagens e deixa-se moldar pelas palavras.
Sonia Lyra(...) É alvissareiro vê-la explorar assim o potencial mágico, mítico e simbólico da fotografia, mesmo porque a representação do inconsciente do universo onírico, da dimensão metafísica e das referências arquetípicas pela fotografia é raríssima no Brasil. Tão rara que vale a pena aproveitar aqui a oportunidade para evocar os nomes de seus principais cultores: o Francisco Aszmann do livro Fotomontagem e Arte (1961), o Boris Kossoy do livro Viagem pelo Fantástico (1971), e o Fernando Lemos recém-chegado de Portugal, realizando em 1953 exposições individuais tanto no Museu de Arte Moderna de São Paulo quanto no MAM do Rio. Assim como os pintores pré-rafaelitas procuravam ser “sinceros e fiéis à obra de Deus“, Sonia Lyra também utiliza a criação artística como símbolo, buscando desvelar o mistério e a alma secreta das coisas para remeter ao expectador a uma dimensão além do visível. Um território situado para lá do chamado mundo real: o território eterno o imutável dos arquétipos, a um só tempo nossa verdadeira terra natal e nossa destinação final.
(...) O mundo dos arquétipos sempre foi a base do trabalho de Sonia como analista junguiana, então eles não poderiam ficar de fora de sua iniciação na fotografia e, numa aula de estúdio, começou logo com o orixá Obàluáyê, senhor das terras e do sol, arquétipo da mitologia africana. Sonia se apaixona pela fotografia como se apaixona por alguém e prossegue seu trabalho que deu na mostra ARQUÉTIPOS que esteve no Museu da Fotografia, Cidade de Curitiba, de maio e julho de 2016; no Centro de Artes e Criatividade, em Guarapuava – Paraná, de novembro de 2016 a fevereiro de 2017; e em Videira, sua terra natal, no Centro de Eventos Vitória, mostrando que ‘santo de casa, neste caso santa, faz milagre’. O milagre da epifania!
Da pictografia ao ato de fotografar, os arquétipos continuam saltando do caldeirão imagético original e imprimindo suas facetas: loucos, deuses, sóis e luas, monstros, bruxas, rainhas heróis, em moto-contínuo. Na avalanche mitopoética, uma força motriz ordena o cabedal simbólico e decodifica o mito, criando vínculos inesperados entre espectador e imaginário. Arquétipos reflete um jogo de empatia entre o protagonista, o fotografo, o espectador que visita a cena. O protagonista veste a máscara e expõe a persona no mesmo espaço em que revela sua face sombria. O fotógrafo delimita o cenário, a luz, o discurso poético. O espectador assume o lugar do fotógrafo e é coautor no processo criativo, pois exercita a imaginação produzindo em si mesmo a presença de um afeto que se assemelha ao afeto figurado. Os movimentos da alma dançam através dos gestos do corpo. Como bem observa o leitor de imagens Alberto Manguel: “Na alquimia do ato criativo, todo retrato é um espelho”.